O acesso das mulheres ao discurso da imprensa portuguesa

  • Zara Pinto-Coelho Universidade do Minho
  • Silvana Mota-Ribeiro Universidade do Minho

Resumo

A questão do acesso ao discurso ou da interrogação pragmática sobre quem pode falar a propósito de quê com que fins e em que circunstâncias tem ocupado um lugar central na investigação sobre poder e discurso. Podemos referir a este propósito dois tipos de investigação: uma natureza mais social e institucional na senda de Foucault (1971) e uma outra que, para além desta vertente institucional, compreende também uma dimensão interaccional e linguística (e.g. Van Dijk, 1996). Em ambas podemos encontrar exemplos de análise do acesso ao discurso em estudos sobre desigualdade social e o papel do discurso na sua reprodução segundo linhas de classe, idade, etnia ou género. A nossa atenção neste estudo centra-se precisamente na questão do género e do poder simbólico dos media . A investigação feminista tem mostrado amplamente que o discurso dos media continua a ser dominado pelo masculino, apesar dos progressos socio-económicos e das mudanças ideológicas óbvias. É para aí que apontam também as investigações que realizámos, a propósito da construção do feminino na imagética publicitária das revistas femininas portuguesas (MotaRibeiro, 2005), e em materiais promocionais de prevenção da droga (PintoCoelho, 2005). Tendo como preocupação conhecer melhor o ambiente discursivo em que as mulheres se movem no nosso país, quisemos desta feita analisar o discurso da imprensa por se tratar de um dos discursos públicos mais influentes e de acesso mais alargado. Partindo do pressuposto de que o poder social de um grupo é proporcional ao acesso (activo ou passivo) que esse grupo tem ao discurso público, iremos evidenciar os modos de acesso das mulheres portuguesas ao discurso da imprensa. Queremos saber como é que factos sociológicos das redacções dos jornais, situadas num contexto histórico e socioeconómico específico (e.g. Gans, 1979; Tuchman, 1978), se expressam e são produzidos na e pela cobertura jornalística feminina. Para o efeito, seleccionámos aleatoriamente um dia da edição de todos os jornais diários nacionais e analisámos a vários níveis aquele acesso: ao nível da produção das notícias, das fontes, e das citações, e ao nível dos tópicos, da gramática e da retórica (Van Dijk, 1988; Van Leeuwen, 1997). Este estudo envolveu estudantes de Comunicação Social, que curiosamente continuam a mostrar uma certa resistência à problemática feminina, apesar da maioria numérica das mulheres na sala de aula. Esta abordagem inscreve-se no campo da Análise Crítica do Discurso, tendo como pano de fundo o princípio de que para perceber o papel social e político da imprensa na reprodução da desigualdade de género, e na sua subsequente legitimação, é necessário analisar detalhadamente as estruturas e estratégias do seu discurso e os modos como estas se relacionam com os contextos de produção, por um lado, e com a audiência, por outro (e.g. Van Dijk, 2005; Wodak, 1997). Numa perspectiva mais dialógica, questionamos e discutimos os resultados à luz das inquietações e dos argumentos que atravessam as investigações sobre o assunto (e.g. Van Zoonen, 1994; Silveirinha, 2004a e 2004b; Subtil, 2005). Será que as notícias não têm sexo? Terão elas género? Será que um número mais alargado de mulheres nas redacções dos jornais e em posições editoriais mais elevadas significa por si só uma mudança no discurso da imprensa? Que importância teria uma transformação nas imagens jornalísticas do feminino? Quais poderiam ser os seus efeitos numa sociedade ainda marcada pela dominação masculina?

Publicado
2005-01-01