“Tocam por qualquer preço”: O estatuto do músico na vila termal de Vidago durante o Estado Novo
Resumo
Vidago, uma vila rural de Trás-os-Montes, ganhou visibilidade pelas suas águas termais premiadas (Cruz 1970; Pereira 1971; Salvador 2004). Com o propósito de se tornar um destino turístico privilegiado, passou por um processo de crescimento súbito e introdução de produtos e tecnologias da modernidade. Os estabelecimentos hoteleiros promoviam actividades desportivas e eventos musicais ao vivo para entreter os visitantes durante a temporada de termas (Pereira 2014). Entre a pluralidade de estilos e categorias musicais interpretados incluíam-se arranjos para banda, chanson française, tangos, árias de ópera, fados, jazz, música clássica, rancho folclórico – havendo uma clara preferência por versões de obras com alargada divulgação e popularidade, associadas a transmissões radiofónicas (Moreira, Cidra, e Castelo-Branco 2010). Foi um período favorável à formação de grupos musicais amadores vidaguenses e à contratação de instrumentistas profissionais exteriores a Vidago. Neste contexto, os músicos eram entendidos como prestadores de serviços e estavam sujeitos à sazonalidade da actividade termal, não permitindo independência financeira. Assim sendo, os músicos viam-se forçados a conciliar o trabalho musical com outros empregos anuais. Usavam esse argumento para se revoltarem contra a obrigatoriedade da profissionalização e pagamento de cotas durante todo o ano ao Sindicato dos Nacional dos Músicos (SNM), pelo que evitavam a sindicalização ou, uma vez sindicalizados, atrasavam sistematicamente o pagamento de cotas (Silva 2010; Fernandes 2018). Neste capítulo será abordado o estatuto dos músicos em Vidago entre 1933 e 1974, destacando as dinâmicas entre estes e as gerências dos hotéis, o SNM e a Casa do Povo local. Este estudo recorre a métodos da história e da etnomusicologia histórica, nomeadamente entrevistas a pessoas que assistiram às práticas musicais em estudo e pesquisa de arquivo no espólio do SNM (Howard 2014). Na linha que têm vindo a ser pensado na área da antropologia do turismo, considera-se que este é um fenómeno holístico, com implicações económicas, políticas, sociais, simbólicas e sonoras (Pinto e Pereiro 2010; Pereiro e Fernandes 2015; Sanchez e Carvalho 2019).
Referências
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