O violino em Portugal no primeiro quartel do século XX: perspectiva sobre a Escola de Música do Conservatório de Lisboa

Palavras-chave: violino, Conservatório de Lisboa, ensino de música, música instrumental

Resumo

Desde a sua fundação, a Escola de Música do Conservatório de Lisboa[1] desempenhou um papel fundamental no panorama musical português (Castro 1991; Gomes 2002; Rosa 2000, 2009, 2010). No alvor da Primeira República, o violino era o segundo instrumento mais representativo, com cerca de setenta alunos distribuídos entre os professores Alexandre Bettencourt e Júlio Cardona.

Através da análise e sistematização de documentação consultada no Arquivo Histórico do Conservatório (pautas, frequências, exames e programas de sala) e na imprensa, este trabalho propõe uma caracterização do ensino do violino durante a Primeira República, identificando os principais intervenientes e repertórios.

Neste período foram contratados quatro docentes, permitindo alargar o número de alunos, que ultrapassou a centena e meia em 1916-17. Os dados indicam uma presença feminina maioritária no curso geral, suplantando os 43% da Academia de Amadores de Música na mesma época. No curso superior, a situação é tendencialmente inversa e podem nomear-se Paulo Manso, Hermínio do Nascimento, Artur Fernandes Fão, Frederico de Freitas, António Cabral, Mário Garibaldi e Maria da Luz Antunes como casos posteriores de sucesso no meio musical português.

Nas audições promovidas pelo Conservatório predominavam estudantes avançados, o que poderá explicar a reduzida participação de alunos de Pavia de Magalhães e Tomás de Lima, responsáveis pelas classes mais jovens. Os alunos de Bettencourt apresentavam composições de Leonard, Viotti, Vieuxtemps e Wieniawsky. Cardona optava frequentemente por autores pouco representativos do repertório violinístico actual (Scharwenka, Sgambati, Sinding, Schillings). Entre as obras escolhidas por Cunha e Silva, contabilizaram-se trinta e sete compositores, desde o Barroco até ao século XX. As apresentações dos alunos de Flaviano Rodrigues e Tomás de Lima incluíam obras de Viotti, Seitz, Bériot, Leonard e Raff. Estes dados permitem verificar o uso preferencial do repertório virtuosístico, ficando em segundo plano as obras com enfoque expressivo[2].

 

[1] Durante o período em análise, esta instituição teve três designações oficiais. No período monárquico, pelo decreto de 4 de Julho de 1940, chamou-se Conservatório Real de Lisboa. Após a implantação da República passou a denominar-se Conservatório de Lisboa e só após a reforma promulgada pelo Decreto nº 5546 de 9 de Maio de 1919 foi adoptada a designação de Conservatório Nacional. A referência à Escola de Música serve para distinguir as secções de música e de teatro (Gomes 2002, 37; Rosa 2010, 415).

[2] Esta pesquisa foi financiada pelo projecto “Euterpe Revelada: Mulheres na composição e interpretação musical em Portugal nos séculos XX e XXI”, financiado pelo FEDER - Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, através do COMPETE 2020 - Programa Operacional de Competitividade e Internacionalização (POCI), e por Fundos portugueses através da FCT - Fundação para a Ciência e a Tecnologia enquadrada no projecto POCI-01-0145-FEDER-016857.

Biografia do Autor

Hélder Sá, INET-md, Universidade de Aveiro

Hélder Sá é mestre em violino e ensino da Música e frequenta actualmente o Doutoramento em Música na Universidade de Aveiro. A sua investigação está publicada pela Ava Musical Editions, ÍMPAR: Online Journal for Artistic Research e UA Editora. Membro do INET-md, participou no projeto "Euterpe Revelada". É professor de violino na Escola de Música Óscar da Silva e na Academia de Música Santa Maria da Feira.

Referências

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Publicado
2020-11-04