“Vês? nós já cantávamos antes!” A fotografia enquanto dispositivo de restauração da música

  • Isabel Castro INET-MD – Instituto de Etnomusicologia, centro de estudos em música e dança. Universidade de Aveiro / Portugal
Palavras-chave: fotografia, música, memória, identidade

Resumo

Durante o trabalho de campo para doutoramento, que tenho vindo a desenvolver desde 2010, com a comunidade goesa da Catembe (Moçambique), a fotografia revelou-se um elemento importante na investigação enquanto mediadora na minha relação com os colaboradores e na compreensão de questões muitas vezes omissas no discurso oral. A partir da fotografia e da sua visualização alguns dos colaboradores iniciaram as descrições sobre as práticas musicais, as festas e os rituais nos quais participam ou participaram no passado. Assim, a fotografia preparou o cenário para a narrativa na qual a música que não se ouvia de alguma forma, mas se tornou real, a partir da evocação de memórias pessoais sugeridas pela imagem. A fotografia, enquanto documento de registo etnográfico, tem sido amplamente discutida sobretudo no quadro da antropologia. No início do século XX Malinowski (1961) e Lévi-Strauss (2004) abrem caminho para que a antropologia incorporasse a fotografia como elemento de análise e como forma de complementar a narrativa etnográfica. Ana Caetano (2007; 2008a; 2008b) refere a utilização da fotografia enquanto instrumento com valor emocional, capaz de criar recordações de algo considerado significativo como marca de identidade pessoal ou colectiva. Porém, a relação da fotografia com a música parece ser ainda um aspeto pouco estudado, talvez pela aparente contradição entre a relação que ambas estabelecem com a noção de tempo: a música acontece no tempo de uma forma dinâmica enquanto a fotografia congela o tempo em que
acontece estatizando-o. Neste trabalho, pretendo mostrar de que forma o recurso à fotografia pode ajudar a mapear e a reconstruir práticas musicais revertendo a aparente estaticidade do tempo instantâneo que representa, a partir dos testemunhos e da minha observação dos goeses residentes na Catembe.

Publicado
2019-03-22