Paradoxos no uso da Inteligência Artificial nas experiências turísticas em Portugal: A perspetiva de turistas nacionais

##plugins.themes.bootstrap3.article.main##

Márcia Patrícia Silva
Maria João Vaz

Resumo

Objetivos | Face à crescente transição digital e à progressiva disponibilização e aquisição de informação, deparamo-nos com um cenário que proporciona, de modo exponencial, o desenvolvimento da Inteligência Artificial (IA) no setor do turismo. Neste enquadramento, encontrámos vários estudos que reconhecem o potencial da transição digital na melhoria das experiências turísticas, no desenvolvimento de práticas mais sustentáveis, no aumento da participação dos cidadãos na tomada de decisão relativamente às práticas turísticas e, também, na capacidade de oferecer serviços de maior qualidade e experiências mais personalizadas (Seetanah & Fauzel, 2023; Zeqiri et al., 2020). No entanto, a utilização de meios tecnológicos avançados, tem apontado diversos paradoxos associados aos diversos processos de implementação e desenvolvimento da IA, em vários setores económicos (e.g., turismo). São exemplos de paradoxos: (i) os problemas relacionados com cibersegurança e privacidade da informação extraída sobre os turistas; (ii) a descontextualização da informação extraída, colocando em causa a oferta turística; (iii) a ameaça de redução do contacto humano nos locais turísticos; (v) o aumento do desemprego no setor potenciado pela automação (Du & Xie, 2021); (vi) ou ainda a incapacidade de controlar os dados obtidos, a falta de profissionais habilitados e a falta de confiança e de transparência no desenvolvimento de IA (Kirtil & Aşkun, 2021). Face a esta realidade, o presente artigo pretende analisar o uso da IA nas experiências turísticas em Portugal, tendo em conta a perceção de turistas nacionais em relação à utilização atual e futura de IA no turismo.


Metodologia | A partir de um estudo exploratório (ainda em desenvolvimento), realizado no segundo trimestre de 2023, procuramos analisar como a crescente tendência do setor para apostar na transição digital tem afetado as experiências turísticas em Portugal. Mais concretamente, foi a partir de um inquérito por questionário online e de 201 respostas válidas, que conseguimos obter perceções associadas aos turistas nacionais. O inquérito por questionário (com 22 questões fechadas e 3 questões abertas) foi organizado do seguinte modo: (i) caracterização da amostra em que foram consideradas as práticas de mobilidade turística em Portugal; (ii) perceção sobre a relação do uso de meios digitais em toda a experiência turística - desde a escolha do destino, passando pela realização da viagem, até à reação sobre a experiência num período pós-viagem (e.g., recomendações e avaliações); e (iii) perceção sobre a inovação tecnológica e respetiva aposta em IA no turismo em território português. Foi no terceiro momento do inquérito que captamos paradoxos e receios dos turistas, advindos da IA.


Principais resultados e contributos | Os resultados apontam que os turistas nacionais estão significativamente predispostos para a utilização de recursos digitais no momento da escolha, da organização da viagem e no decorrer da viagem. Contudo, detetamos que ao pormenorizar questões sobre a oferta da experiência e aumentar a complementaridade de serviços, que estavam inerentemente associados à IA, os inquiridos “raramente” ou “nunca” utilizavam este tipo de serviços, tal como indicam algumas percentagens: assistentes de voz inteligente (71%) ou chatbots destinados ao atendimento ao cliente (74%). Os resultados demonstram que uma relevante percentagem dos turistas nacionais inquiridos, tem um posicionamento bastante cauteloso, e até mesmo crítico, em relação ao potencial da IA na sua experiência turística. Por conseguinte, para 46.3% dos inquiridos, Portugal encontra-se num bom grau de inovação e digitalização do setor turístico. Porém, apesar da maioria (51.2%) considerar que a IA é capaz de melhorar a experiência turística em Portugal em geral, esta visão otimista vai diminuindo quando os inquiridos se depararam com questões mais específicas. Os resultados apontam que, a maioria (64.7%) não se sente segura sempre que autoriza a utilização dos seus dados e que 43.8% dos inquiridos não concorda com a utilização das suas informações pessoais. Consequentemente, 53.8% prefere que não sejam analisados os seus sentimentos e as suas emoções na tentativa de personalizar a oferta/experiência. Por fim, alguns inquiridos indicaram receios, já previamente explanados na literatura, tais como: o receio da ausência de contacto humano; o receio da perda de empregos no setor; ou a falta de confiança e de transparência no desenvolvimento de IA.


Limitações | As opções metodológicas adotadas para este estudo revelaram algumas limitações que devem ser atendidas em futuros estudos. Destacamos duas limitações: (i) os inquéritos por questionário foram respondidos na grande maioria por jovens (20-35 anos), um grupo etário com maior propensão para a utilização de meios digitais; e (ii) o método quantitativo não permitiu aprofundar os paradoxos e receios dos turistas nacionais. Em suma, será fundamental em futuros estudos alargar a amostra da população e priorizar métodos qualitativos para entender, de modo mais aprofundado, os paradoxos inerentes à perceção do turista nacional, em relação ao potencial da IA nas experiências turísticas em Portugal.


Conclusões | O presente estudo demonstra a necessidade de conhecer, de modo mais aprofundado, os paradoxos e receios dos turistas nacionais em relação ao uso da inteligência nas experiências turísticas. Apesar de considerarem que a IA pode beneficiar a oferta e a experiência turística, em território nacional, os turistas manifestam-se cautelosos ao considerar algumas das suas repercussões inerentes. Os resultados vão de encontro com a literatura académica que aborda, como obstáculos ao desenvolvimento de IA, a falta de segurança e privacidade dos dados, a incapacidade de controlar os dados ou a necessidade de mais transparência e confiança no desenvolvimento em IA. Além do mais, com a análise empírica, conseguimos identificar que há um significante desconhecimento sobre o que acontecerá com os seus dados, os profissionais do turismo e com o contacto humano. Estes paradoxos poderão ser colmatados com reforço de literacia digital, mas também com a revisão de práticas (éticas) dos vários grupos de interesse associados ao turismo e, assim, aumentarem a confiança e transparência no desenvolvimento em IA perante os turistas. Deixamos, assim, o repto para futuras investigações sobre a indispensabilidade de compreender os motivos destes paradoxos e, deste modo, proporcionar uma atividade mais sustentável do setor.

##plugins.themes.bootstrap3.article.details##

Edição
Secção
Artigos