Território, planeamento e outras ficções

  • Álvaro Domingues Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto (FAUP) Centro de Estudos de Arquitectura e Urbanismo da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto (CEAU-FAUP)
Palavras-chave: Território, Planeamento, Urbanismo, Técnica, Política

Resumo

O título desta nova revista - Território, Planeamento e Urbanismo - teoria e prática – contém três palavras cujos significados oscilam entre dois extremos: ora parecem quase auto-explicativos, de tão familiares que nos são e porque abundam no discurso comum a propósito de quase tudo; ora se enredam facilmente numa tal pluralidade de sentidos, manipulações e significados instáveis e contraditórios, que parecem correr o risco de colapso eminente por excesso de polissemia e total falta de clareza. Enquanto o planeamento parece inoperacional e confuso, pululam os adjectivos que não dizem nada, como “sustentável”, “resiliente” e outros placebos; provavelmente a proliferação dos conceitos vagos deve-se exactamente a essa inoperacionalidade. O estado da arte é uma enorme confusão.

A razão desta contradição explicase em parte porque ninguém quis saber muito bem o que é que acontecia ao planeamento e ao urbanismo dos anos de ouro do pós-guerra se, ao mesmo tempo, tivessem mudado avassaladoramente as lógicas e os dispositivos sociotécnicos e económicos da organização social (e por isso também territorial), o poder do Estado e a própria soberania que o Estado-Nação tinha em matéria de regulação social (ordenamento e urbanismo incluído).

Território, planeamento ou urbanismo constituem âmbitos de conhecimento muito abertos, alimentados por uma enorme variedade de campos científicos e não científicos, teóricos e aplicados, das ciências naturais às ciências sociais, da política, ao senso comum. Misturamse aqui atitudes puramente analíticas, com atitudes prescritivas onde aquilo que “deve ser, pode já ter perdido completamente a razão de assim ser. Temos a evidência comum que o território é o lugar onde as coisas têm existência, nomeadamente em função da forma como são apropriadas individual e colectivamente. A crise do território ou da urbanização (cidade é apenas uma metáfora literária) é a crise das coisas públicas, da res publica, e só se clarificará quando conseguirmos clarificar quem nos governa, com que objectivos e, sobretudo, como queremos ser governados para lá das retóricas fechadas onde nos colocam – os mercados, a competitividade, a globalização, o empreendedorismo, a natureza, o ambiente… e outras palavras para rever ou destruir.

Referências

Allenby, B. R. & Sarewitz, D. (2011). The Techno-Human Condition, the MIT Press

Ascher, F. (2004). La société hypermoderne, ou Ces événements qui nous dépassent, feignons d'en être les organisateurs, L'Aube, Paris.

Beck, U. (1995). Ecological Politics in an Age of Risk. Cambridge: Polity Press.

Bender, T. (2010). ‘Reassembling the city: networks and urban imaginaries’, in I. Farías and T. Bender (eds) Urban Assemblages: How Actor-Network Theory Changes Urban Research, pp. 303–323. New York: Routledge.

Bourdieu, P. & Chamboredon, J. (1968). Le Métier de sociologue, préalables épistémologiques, Paris, Mouton – Bordas

Bourdin, A. (2010). L’urbanisme d’après crise, Paris, Éditions de l’Aube

Brenner, N., Peck, J., Theodore, N. (2011). Después da le neoliberalización – estratégias metodológicas para la investigación de las transformaciones regulatórias contemporáneas, Urban, Madrid.

Debardieux, B. (2007). «Actualité politique du paysage», Revue de Géographie Alpine, n°4, sobre o « empaysagement des sociétés occidentales».

Domingues, A. (2012). Paisagens Transgénicas, in Bandeira P.; Catrica, P (ed), Missão Fotográfica Paisagem Transgénica, EAUM, FCG, Guimarães 2012, Imprensa Nacional Casa da Moeda, Lisboa.

Donadieu, Pierra (2002). La société paysagiste, Actes Sud – ENSP

Domingues, Álvaro; Nuno, Travasso (2015). Território Casa Comum, FAUP, Porto

Elden, Stuart (2013). The Birth of Territory, Chicago: Chicago University Press.

Estevez, A. M. (2006). “Una genealogia de la Tecnocracia” in Henriquez, Hadée;

Estévez, Alejandro (coord) (2006), El poder de los expertos: para compreender ta tecnocracia, Universidad de Maracaibo, Ed. Astro Data.

Ferrão, J. (2011). O Ordenamento do Território como Política Pública, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa.

Graham, S. & Simon, M. (2001). Splintering Urbanism, Routledge, London.

Henriquez, H., & Alejandro E. (coord) (2006). El poder de los expertos: para compreender ta tecnocracia, Universidad de Maracaibo, Ed. Astro Data, Venezuela.

Kuhn, T. S. (1991). A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva (ed. original, 1962).

Lacoste, Y. (1976). La géographie, ça sert, d’abord, à faire la guerre, Maspero, Paris.

Latour, B. (s/ data). Why Has Critique Run out of Steam? From Matters of Fact to Matters of Concern in http://www.bruno-latour.fr/sites/default/files/89 CRITICAL-INQUIRY-GB.pdf

Morillas, J. M. M. (2003). Los sentidos de la violência, Universidad de Granada, Granada.Lefebvre, Henri (1967), Vers le Cybernanthrope (contre les technocrates), Paris: Denoël/Gonthier.

Popper, K. (1972). A Lógica da Pesquisa científica. São Paulo: Cultrix, (ed. original1935).

Roger, A. (1997). Court traité du paysage, Ed. Gallimard, Bibliothèque des Sciences Humaines, Paris.

Sgard, A. (2002). «Le paysage dans l’action publique : du patrimoine au bien commun», Cahiers de Géographie du Québec, déc. 2002, n° spécial, vol. 46, n°129.

Publicado
2019-03-08
Secção
Artigos