Santas e Histéricas: a neurose mística na neo-hagiografia naturalista

  • Paulo Alexandre Pereira Universidade de Aveiro
Palavras-chave: Histeria, Misticismo, Naturalismo, Abel Botelho, Teixeira de Queirós

Resumo

A obsessão finissecular pela neurose mística, patente na obra de múltiplos autores naturalistas, sondou o que nessa patologização da virtude se reconhecia como expressamente sexuado e, portanto, reconduzível a uma psicofisiologia especificamente feminina. Amparado por estereótipos essencialistas de género, o diagnóstico da histeria facultava, mormente nas suas interseções com o misticismo feminino, um poderoso dispositivo ideológico de catalogação biossocial que a ficção literária não deixou de ecoar. Propõe-se, no presente trabalho, um reexame das relações entre histeria e santidade, a partir da análise de duas narrativas naturalistas: Santa Adosinda, de Abel Botelho, e Amor Divino, de Teixeira de Queirós.

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Publicado
2024-04-11