Uma faca de dois gumes: a questão do poder no teatro de Abdulai Sila
Resumo
Um dos aspetos fulcrais do mito de Antígona gira à volta da questão de quem tem o poder e como o exerce. O problema impõe-se com urgência na situação atual da Guiné-Bissau, país que vivenciou desde a sua independência em 1974 até hoje uma sucessão de 17 presidentes e 32 primeiros ministros, com pelo menos seis golpes de estado e contra-golpes, em suma, instabilidade política que se deve em grande parte a vaidades pessoais. É sabido que o poder político, apesar de não ser em si uma força negativa, tem o perigo inerente de se tornar autónomo, seduzindo os seus detentores quase inevitavelmente a usá-lo sem escrúpulos, para fins económicos puramente privados.
Nas três primeiras peças de teatro do autor guineense Abdulai Sila, As orações de Mansata (2007), Dois tiros e uma gargalhada (2013) e Kangalutas (2018), a questão da aquisição e do uso do poder é fulcral, o que comprova que a situação histórica concreta da Guiné-Bissau é percebida como o maior problema da sociedade contemporânea. Quando se trata de reinar e enriquecer, quase todos acabam por trair os ideais revolucionários de antigamente. Assim, tanto As orações Mansata como Dois tiros e uma gargalhada mostram protagonistas corruptos que lutam, trucidando-se uns aos outros, para conquistar o poder. Felizmente, nas duas peças, estas tendências (auto-) destrutivas são contrabalançadas por um acentuado pragmatismo, que se sobrepõe a partidarismos políticos e ideologismos, uma constelação que se repete com protagonistas exclusivamente femininas e resultados idênticos em Kangalutas. Sila vê os problemas dos abusos do poder e reconhece que os mecanismos que governam este processo são, de um lado, humanos; porém, do outro lado não são incontornáveis. As três peças evidenciam as estratégias adequadas para evitar este efeito deletério, mostrando pessoas, que sabem resistir às seduções do poder. São os homens-grandes com a sabedoria secular que representam, assim como a geração jovem com a sua fé num futuro melhor. Juntos podem superar os imensos problemas dos quais sofre a realidade atual guineense.
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