Com Antígona: a luta pelo luto em duas narrativas brasileiras contemporâneas
Resumo
O mito fecundo de Antígona tem sido evocado no espaço literário brasileiro contemporâneo, tanto no âmbito da criação, quanto no da crítica, sobretudo no interior da série literária identificada com a elaboração ficcional dos danos decorrentes da violência da ditadura civil-militar (1964/1985). O trauma dos desaparecidos políticos, identificado com a interdição aos atos fúnebres e decorrente privação do luto a familiares, tem motivado ficcionistas e estudiosos do século XXI de meu país a atualizarem o gesto com que a irmã de Ismene confronta os poderes constituídos de Tebas na tragédia de Sófocles em nome do direito inalienável ao sepultamento do ente querido. Se em Portugal a contestação de Antígona é lembrada para celebrar os “50 anos de abril”, no Brasil, o sentido de justiça que a move atende contrariamente nos 60 anos do nosso abril, quando um golpe de Estado ceifou a ordem democrática, abrindo feridas ainda não cicatrizadas no tecido social do país. Proponho uma leitura crítica de sentido político dos romances K., relato de uma busca (2011), de Bernardo Kucinski, e Antes do passado: o silêncio do Araguaia (2012), de Liniane Haag Brum, segundo a qual ambos os escritores imitam o gesto de amor de Antígona e realizam uma forma simbólica de túmulo através das palavras para seus respectivos desaparecidos, a irmã do primeiro e o tio da segunda autora. Tomando por fundamento o conceito de “poética restitutiva” (Vecchi, 2014), analiso nas narrativa a peculiar tessitura ficcional de fraturas e lacunas do discurso histórico que faculta à literatura, por meio dos recursos que lhe são próprios, compor fragmentos da memória social de crimes de um passado que permanece recalcado no imaginário nacional, e por isso retorna como fantasma a assombrar a vida política no tempo presente.
Direitos de Autor (c) 2025 Luciana Paiva Coronel

Este trabalho está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição 4.0 Internacional.




