Antígona em Troia: The Women of Troy, de Pat Barker

  • Maria José Ferreira Lopes Universidade Católica Portuguesa – CEFH
Palavras-chave: Antígona, Troia, Aquiles, Herói, Violência sobre as mulheres, Poemas Homéricos, Sófocles

Resumo

Poucas figuras da mitologia grega despertaram ao longo dos tempos, e em particular na modernidade, um fascínio tão profundo e criativo como Antígona, vista como uma heroína da resistência à opressão na sequência do texto fundacional de Sófocles. Em paralelo, os mitos à volta da Guerra de Troia constituem um dos alicerces mais vivos do imaginário ocidental, também objeto de constante análise e reescrita. No romance The Women of Troy (2021), o segundo da sua recente trilogia troiana, a escritora inglesa Pat Barker transplantou para o pós-queda de Troia o conflito resultante da proibição de cumprir os rituais devidos aos mortos. Neste caso, é Príamo quem toma o lugar de Polinices, e Amina, uma jovem troiana frágil, mas obstinada, quem assume o papel de Antígona. A desencadear os eventos está um Creonte inesperado: o ainda adolescente Pirro, fisicamente imponente e propenso à violência, marcado pela desconsideração com que é olhado em simultâneo por gregos e troianos e pela aura inatingível do pai. É precisamente a comparação negativa com Aquiles sugerida por Príamo que leva Pirro a matá-lo, de forma excruciante, cena essa testemunhada pela então desconhecida Amina. A humilhação que supõe para Pirro a existência dessa testemunha leva-o a matá-la depois de ter sido surpreendida a fazer uma segunda tentativa de sepultar Príamo, longamente exposto às intempéries como Polinices e Heitor. No constante processo de interação e desconstrução dos clássicos, assume papel central Briseida, a jovem rainha tornada escrava de Aquiles depois da tomada da sua cidade natal. Grávida do herói morto, ela fora casada pelo Eácida, pouco antes da sua morte anunciada, com um dos seus lugares-tenentes, para proteção futura. Briseida, que continua a desempenhar tarefas caseiras comuns às outras prisioneiras dos senhores gregos, comporta-se como uma protetora compassiva e solidária das escravas troianas – e até do horrendo Tersites –, e acaba por assumir o papel de uma Ismena prudente, mas também dominada pela afeição a Príamo. Grande parte da narrativa é apresentada com base na sua perspetiva, o que permite uma análise constante da condição subalterna e precária das mulheres em geral, e sobretudo das cativas de guerra, silenciadas e vítimas de abusos terríveis, vistos como parte da guerra. Na base da insistência de Amina em desafiar as ordens de Pirro está precisamente a recusa em submeter-se a essa violência e o propósito de manter a sua dignidade intacta. É objetivo deste texto explorar a forma como The Women of Troy utiliza e desconstrói os ciclos tebano e troiano, sublinhando a enorme atualidade das personagens e dos episódios por elas vivenciados.

Downloads

Dados de Download não estão ainda disponíveis.

Referências

Armitstead, C. (2019). Pat Barker: ‘You could argue that time’s up: we’re at the end of patriarchy’. The Guardian, 04/01/2019.

Barker, P. (2018). The Silence of the Girls. London: Pinguin Books Random House UK.

Barker, P. (2021). Pat Barker on The Silence of the Girls: ‘The Iliad is myth – the rules for writing historical fiction don’t apply’. The Guardian, 07/08/2021.

Barker, P. (2021). The Women of Troy. London: Pinguin Books Random House UK.

Barker, P. (2024). The Voyage Home. London: Pinguin Books Random House UK.

Bañuls, J. V., & Crespo, P. (2008). Antígona(s): mito y personaje. Un recorrido desde los orígenes. Bari: Levante Editori.

Crowley, J. (2014). Beyond the universal soldier: Combat trauma in classical antiquity. In P.

Meineck & D. Konstan (Eds.), Combat Trauma and the Ancient Greeks (pp. 105-130). New York: Palgrave Macmillan.

Gottschall, J. (2004). Explaining Wartime Rape. The Journal of Sex Research, 41(2), 129-136.

Homero (2005). Ilíada (tradução de Frederico Lourenço). Lisboa: Cotovia.

Hughes-Hallett, L. (2021). The Women of Troy by Pat Barker review – bleak and impressive. The Guardian, 20/08/2021.

Jaggi, M. (2003). Dispatches from the front. The Guardian, 15/08/2003.

Knox, B. M. W. (1964). Heroic Temper. Studies in Sophoclean Tragedy. Berkeley, Los Angeles, London: University of California Press.

Monsacré, H. (2018). The Tears of Achilles (Trans. Nicholas J. Snead. Introduction by Richard P. Martin). Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press.

Morris, M. (1996). By Force of Arms: Rape, War, and Military Culture. Duke Law Journal, 45(4), 652-781.

Roth, Ph. (2000). The Human Stain: A Novel. New York: Harper Collins.

Salzman, T. A. (1998). Rape Camps as a Means of Ethnic Cleansing: Religious, Cultural, and Ethical Responses to Rape Victims in the Former Yugoslavia. Human Rights Quarterly, 20(2), 348-378.

Shay, J. (1994). Achilles in Vietnam: Combat Trauma and the Undoing of Character. New York: Scribner.

Sophocles (1987). Antigone (edited with translation and notes by Andrew Brown). Warminster: Aris & Phillips.

Sófocles (2003). Tragédias (pref. Maria do Céu Fialho, trad. Maria Helena da Rocha Pereira, José Ribeiro Ferreira, Maria do Céu Fialho). Coimbra: Minerva.

Steiner, G. (1995). Antígonas: a persistência da lenda de Antígona na literatura, arte e pensamento ocidentais (trad. Miguel Serras Pereira). Lisboa: Relógio d’Água.

Publicado
2025-10-31
Secção
Reescritas do mito