O Leão Velho: fronteiras e margens do imaginário colonial

  • Ana Isabel Correia Martins Universidade de Coimbra
Palavras-chave: imaginário colonial, savana, ressonâncias imperialistas, fronteiras geográficas e identitárias

Resumo

É sob a epígrafe de Carlos Fuentes – “são necessárias várias vidas para fazer uma só pessoa” – que Lídia Jorge nos oferece este conto, em jeito de fábula, numa mise en scène do imaginário colonial, com todas as ressonâncias imperialistas que daí decorrem. Em palco estão três homens e o desejo comum de reviverem experiências outrora partilhadas. O mote é simples, o enredo linear: o abate de um animal velho em modo de safari africano no Alentejo. O que se adivinhava um fim-de-semana calmo converte-se num déjà vu dos tempos idos em Moçambique ou não fosse o próprio leão proveniente de Sofala. Tudo foi concebido, pormenorizadamente, discutido e ajuizado, em prol de um desejo sem preço, pois é sempre esse o valor de uma vontade. Nesta representação de poder e autoridade, neste vis-à-vis entre o instinto e a honra, é necessária uma certa dose de lealdade, alinhada a um pseudo comportamento correctivo. O que, expectavelmente, seria o lado (pre)dominante deu lugar a uma lógica invertida. “O problema da vida de um homem é que acima do instinto tem a honra. O dever de um bicho é seguir o seu instinto. O dever de um homem é contrariá-lo”, pois será esta a mensagem moralizante do conto? A desconstrução deste cenário implicará uma leitura mais profunda das raízes históricas, políticas e sociais, num exercício de análise de identidades, nesta sobreposição das camadas da memória e dos imaginários. Lídia Jorge convoca uma herança por todos partilhada, num género literário particular dentro da sua produção ficcional, exibindo uma ironia fina, divertida e subliminar. Perguntemo-nos, então, pelo desfecho deste conto enfabulado: “Uma vergonha. Éramos quatro, da mesma idade. Mas só um de nós se portou bem. E foi ele…ele, o bicho”.

Publicado
2019-02-27