Ao espelho de A Noite: Narciso

  • Ana Paula Pinto UCP-CEFH
Palavras-chave: Narciso, Eco, Ovídio, Mitologia Antiga, Elie Wiesel

Resumo

Narciso garante na Mitologia e Literatura antigas uma aura de enigmática singularidade: algumas alusões esparsas a tradições locais – veiculadas entre outros pelo afã descritivo de Pausânias, Cónon, Filóstrato o Velho e Calístrato o Sofista – e corroboradas aliás pela etimologia antiga do antropónimo, permitem supor como provável que, antes de ocorrer no enquadramento nar- rativo perfeitamente definido – e mais conhecido – das Metamorfoses de Ovídio, a narrativa já tivesse enraizadas no terreno fértil do imaginário mítico antigo algumas versões controversas. Elas não terão tido, no entanto, ao que podemos concluir pela tradição estético-literária, uma notória projecção na mundividência antiga.

Obscuramente associado a outros mitos que com ele comungam traços significativos de amplo espectro simbólico (como o de outros jovens seviciados), chama a atenção, na interpretação do mito, a notação obsidiante, que a intuição dos artistas soube exaustivamente cativar no amplo arco temporal desenhado entre a Antiguidade e os nossos dias, de uma solidão intransitiva do ser diante de si mesmo, isto é, do seu próprio reflexo; a articulação poética proposta por Oví- dio entre os infortunados destinos de Eco e Narciso permitirá multiplicar essa solidão numa especularidade refractiva, que convoca simultaneamente a voz e o olhar, enquanto vectores de emissão e recepção, isto é, de comunicação.

Partindo do pretexto poético oferecido pelas notações da Literatura Antiga, propomo-nos tentar a hermenêutica dos ecos simbólicos do mito, e da sua peculiar acutilância no enqua- dramento das modernas tragédias do nosso quotidiano. A esse propósito interessa-nos trazer à colação, na moldura trágica do Holocausto, uma leitura simbólica de A Noite, de Elie Wiesel.

Publicado
2021-12-21
Secção
Olhares de Narciso: egotismo e alienação