Os que sucumbem e os que se salvam: aproximações ao Holocausto em Alves Redol
Resumo
Partindo da célebre formulação de Primo Levi (Os que Sucumbem e os que se Salvam, 1987), propomos expor dois exemplos da obra de ficção redoliana nas quais o autor concretiza o pendor político que lhe é reconhecido através de aproximações ao Holocausto: A Barca dos Sete Lemes (1958) e O Cavalo Espantado (1960). Na primeira, descreve o percurso de um jovem nascido nas margens do Tejo, até se ver em combate na guerra de Marrocos, culminando na sua prisão em território francês sob ocupação nazi, e deixando entrever a sua potencial utilização como guarda de campos de concentração alemães pela experiência de guerra que entretanto adquirira; no segundo caso, através da história de um casal de judeus austríacos abastados em Lisboa, que escaparam a um regime com o qual colaboraram e que agora envia cidadãos como eles para as pedreiras de Mauthausen.
Se o herói do primeiro romance escapa a um Portugal miserável sucumbindo às portas do drama do Holocausto, a díade do segundo romance salva-se desse drama através da porta de saída que Lisboa lhes proporciona. Perante as diferentes direções da catástrofe apresentadas nos dois romances, uma personagem em comum: a de Alves Redol enquanto alter ego literário, testemunhando, em diálogo com estas personagens, de que forma se falha ou se é eleito para a salvação em tempos apocalípticos.
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