Pode um mito salvar? Cristo em Espinosa

  • João Diogo R. P. G. Loureiro Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos, Universidade de Coimbra
Palavras-chave: Tratado teológico-político, Strauss, Matheron, Profecia, Cristo, “Salvação dos ignorantes”

Resumo

O presente texto constitui uma tímida vindicação da abordagem straussiana ao Tratado teológico-político [TTP] de Espinosa. Parte-se aqui da tensão entre a salvação tal-qual descrita na Ética e o dogma da salvação pela obediência de que Espinosa diz no TTP possuir uma “certeza moral”. Analisa-se os fundamentos desta, o que desemboca com naturalidade numa discussão do fenómeno profético. O que Espinosa escreve sobre este poucas razões nos deixa para crermos na verdade do conteúdo do anúncio dos profetas. Cristo surge, porém, com uma excepção na história da Revelação. Parece ser possível fazer fé nele, ele a quem Deus se comunicou “de mente para mente”. Algumas das dificuldades associadas à figura de Cristo em Espinosa são debatidas, nomeadamente quanto à coerência da natureza da revelação por ele recebida com a epistemologia elaborada na Ética. Com vista a fazer sentido do dogma da “salvação dos ignorantes”, voltamo-nos para A. Matheron, que analisou de forma exaustiva todas as hipóteses possíveis de articular o referido dogma com o sistema espinosano. A conclusão é desanimadora: a solução proposta pelo autor não convence e a mais razoável de entre todas as que ele pondera não sobrevive às objecções que contra ela o próprio Matheron dirige. Ante isto, mister é ponderar a hipótese de Strauss, para quem o TTP se desenvolve em dois registos, esotérico e exotérico. A profissão de fé de Espinosa na salvação pela obediência pertenceria a este último.

Publicado
2019-04-17